Transtorno do Espectro do Autismo, Processamento Sensorial e Linguagem  

O que é processamento sensorial?

É a forma como o sistema nervoso capta, filtra, integra e interpreta os sinais vindos dos sentidos.
Esses sinais incluem:

  • Sentidos principais: visão, audição, tato, olfato e paladar;
  • Outros sentidos fundamentais: dor, temperatura, propriocepção (posição do corpo), interocepção (sensações internas, como fome e sede) e sistema vestibular (equilíbrio e movimento).

A integração dessas informações guia nossa percepção, memória, emoções e ações, permitindo construir conhecimento tanto sobre o mundo ao redor quanto sobre o próprio corpo.

 

Por que isso é importante para a linguagem?

 

A linguagem oral depende diretamente da audição, especialmente da percepção auditiva, que se relaciona à memória auditiva, à discriminação de sons e a outros processamentos auditivos. Também envolve a atenção e os mecanismos corticais de alta ordem necessários para interpretar e compreender as informações. A partir disso, o cérebro elabora uma fala adequada, com formação fonológica, vocabulário, estrutura de frases, coerência e prosódia (ritmo e entonação).

 

Nos primeiros anos de vida, é comum que a criança imite, analise suas próprias respostas, corrija erros e construa progressivamente sua elaboração linguística. Esse processo depende da interação com as pessoas, principalmente com sua família, além de mecanismos de percepção, atenção e ajustes motores.

 

No entanto, a linguagem não depende apenas da audição. Ela também envolve a percepção visual, essencial para compreender expressões faciais, movimentos labiais, gestos, imagens e outras pistas presentes no ambiente comunicativo. O cérebro interpreta essas pistas visuais e as integra com informações auditivas e motoras, ajudando a entender melhor o mundo e a comunicação.

 

Outro componente fundamental é o ato motor da fala, uma função práxica — ou seja, um movimento aprendido que, com a prática, se torna automatizado. Essa função verbal e oral permite programar e coordenar os movimentos articulatórios necessários para a produção da fala. O tato, a propriocepção (percepção da posição e movimento do corpo) e a consciência do próprio corpo também são importantes para ajustar a fala com precisão.

 

Assim, a linguagem mantém uma íntima relação com o processamento sensorial. Por esse motivo, muitas crianças e adultos com transtornos de fala e linguagem apresentam também alterações sensoriais — trata-se de uma relação direta, embora possa se manifestar de formas diferentes em cada pessoa.

 

Quando o cérebro não consegue filtrar bem os estímulos ou integra essas informações de forma atípica, compreender e organizar a fala se torna muito mais difícil. Essa dificuldade se intensifica em ambientes ruidosos ou com excesso de estímulos, nos quais a sobrecarga sensorial compromete a atenção, a clareza e a fluência da comunicação.

O que é integração das informações multissensoriais?

É o “casamento” de pistas de diferentes modalidades sensoriais (por exemplo, ver os lábios + ouvir a voz) que gera uma percepção única e mais precisa. Esse processo melhora a compreensão da fala, o reconhecimento de intenções e o aprendizado.

Na prática, não é que a integração sensorial ocorra diretamente nas áreas primárias — pois cada modalidade chega de forma separada ao cérebro:
- audição → lobo temporal,
- visão → lobo occipital,
- sensações somatossensoriais → lobo parietal.

Essas informações são processadas nos dois hemisférios, mas a verdadeira integração acontece em áreas associativas secundárias e terciárias, que analisam os sinais em conjunto e constroem a percepção multimodal.

Um exemplo é o sulco temporal superior (STS), especialmente à esquerda, que integra informações auditivas da fala com expressões faciais e movimentos orais. É um mecanismo usado por todos — por vezes entendemos o que alguém fala muito mais pelo contexto visual (expressão facial, movimento dos lábios) do que apenas pelo som. Pessoas surdas utilizam essas pistas de forma ainda mais intensiva, para compreender a comunicação.

Esse é apenas um exemplo da complexidade das áreas de integração sensorial que o nosso cérebro possui, fundamentais para que possamos entender a fala, interpretar emoções e compreender o mundo à nossa volta.

 

Quais áreas do cérebro fazem essa orquestra de associações das informações sensoriais (áreas multimodais) ?

 

  • Tálamo: hub de retransmissão e “gating” (filtragem do que é relevante).
  • Sulco Temporal Superior (STS): integra visão–audição (fala, prosódia, faces, direção do olhar).
  • Junção temporoparietal (TPJ): "hub multimodal" para atenção, percepção social e “teoria da mente”.
  • Ínsula (posterior/média): interocepção e integração viscerossensorial com emoção.
  • Parietal superior/intraparietal: visão+tato+propriocepção (ação dirigida, planejamento motor).
  • Pré-frontal multimodal: atenção seletiva e modulação top-down.
  • Cerebelo (Crus I/II): previsões sensoriais e ajuste fino sensório-motor e cognitivo.

 

O que acontence no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)?

No Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), as alterações sensoriais estão presentes em quase todas as pessoas com essa condição. Estudos apontam que até 90% dos indivíduos com TEA apresentam diferenças significativas no processamento sensorial.

 

Essas alterações podem ser, inclusive, a primeira manifestação percebida pelos pais. É comum relatos como: a criança que não estabelece contato visual, que apresenta hipersensibilidade a sons, que parece não ouvir quando chamada pelo nome ou que demonstra fascínio por estímulos visuais e táteis.

 

As diferenças sensoriais impactam diretamente o cotidiano, em todas as faixas etárias e níveis de suporte, dificultando a participação em atividades simples, como vestir-se, alimentar-se ou brincar com outras crianças. Também influenciam a regulação emocional, podendo levar a crises em situações de sobrecarga de estímulos.

Antes vistas apenas como manifestações secundárias, essas alterações passaram a ser reconhecidas, em 2013, pelo DSM-5, como característica diagnóstica essencial do TEA.

 

Elas podem se apresentar em três padrões principais:

  • Hipo-reatividade: resposta diminuída ou ausente a estímulos. A criança pode não reagir a sons altos, não perceber dor com facilidade ou parecer “desatenta” a estímulos relevantes.
  • Hiper-reatividade: respostas exageradas diante de estímulos comuns, como incômodo intenso com sons do dia a dia, aversão a texturas de roupas ou alimentos, ou desconforto com luzes intensas.
  • Busca sensorial: procura insistente e repetitiva por determinadas sensações, como fascínio por luzes, objetos giratórios, movimentos repetidos, pressão ou cheiros específicos.

Além disso, essas alterações afetam o aprendizado, já que a atenção, a linguagem e as interações sociais dependem da capacidade do cérebro de filtrar e integrar estímulos de forma adequada.

 

Como essas diferenças aparecem no dia a dia?

 

Hiper-reatividade:

  • Incômodo intenso com barulhos do dia a dia (liquidificador, aspirador, choro de bebê).
  • Aversão a certas roupas por causa da etiqueta, costura ou textura.
  • Reação de dor ou choro diante de cortes de cabelo, escovação de dentes ou banho.
  • Dificuldade em frequentar ambientes muito iluminados ou movimentados, como shoppings e festas.

Hipo-reatividade:

 

  • Pouca ou nenhuma resposta quando chamado pelo nome.
  • Não perceber dor diante de quedas, cortes ou batidas.
  • Pouca atenção a estímulos sonoros intensos, como buzina ou campainha.
  • Aparente “desconexão” com o que acontece ao redor, como se estivesse alheio ao ambiente.

Busca sensorial:

  • Fascínio por luzes, reflexos, sombras ou objetos giratórios.
  • Interesse excessivo por cheirar objetos, alimentos ou pessoas.
  • Necessidade de balançar o corpo, girar, correr em círculos ou pular repetidamente.
  • Procurar estímulos táteis intensos, como apertar, encostar em superfícies ou morder objetos.
  • Brincar repetidamente com água, areia ou texturas específicas.

Esses comportamentos podem variar em intensidade e contexto, mas quando são frequentes e impactam a rotina, a aprendizagem ou a interação social.

 

 

E os mecanismos por trás?

 

Estudos demonstram que as alterações sensoriais no TEA estão ligadas a diferenças na forma como o cérebro processa estímulos. Entre os principais achados:

  1. Desequilíbrio excitação/inibição: excesso de atividade excitatória em relação à inibitória, tornando o cérebro mais sensível e menos filtrado.
  2. Conectividade atípica: mais conexões locais e menos conexões de longa distância, o que dificulta integrar informações de diferentes sentidos.
  3. Tálamo: filtro sensorial menos eficiente, permitindo que estímulos irrelevantes causem sobrecarga.
  4. Sulco Temporal Superior (STS) e Junção Temporoparietal (TPJ): regiões ligadas à fala, expressões faciais e integração multimodal funcionam de forma diferente.
  5. Cerebelo: participa da regulação sensorial e da adaptação ao ambiente; suas alterações podem aumentar dificuldades de ajuste e previsibilidade.

Esses mecanismos podem explicar por que tantas pessoas com TEA apresentam hipersensibilidade, hipossensibilidade ou busca sensorial, impactando a linguagem, o comportamento e a interação social.

 

E em terapia?

 

A intervenção deve ser preferencialmente individualizada e multiprofissional, ajustada ao perfil de cada criança. Entre as principais áreas envolvidas:

  • Foniatria: diagnóstico diferencial médico e colaboração do plano terapêutico.
  • Fonoaudiologia: desenvolvimento da fala e linguagem.
  • Terapia Ocupacional: avaliação do perfil sensorial, intervenção terapêutica e estratégias de adaptação do ambiente.
  • Psicologia e Psicopedagogia: apoio e regulação emocional.
  • Família e escola: participação ativa é essencial — ambientes naturais (casa e escola) e estratégias para potencializam os resultados, garantindo continuidade e generalização do que é aprendido na terapia

O que pode ser feito em casa e na escola?

 

Alguns ajustes simples no ambiente e na rotina podem reduzir a sobrecarga sensorial e favorecer a aprendizagem:

  • Reduzir estímulos excessivos: controlar ruídos de fundo (televisão, ventilador, corredores barulhentos) e organizar o espaço físico, evitando excesso objetos visuais.
  • Oferecer previsibilidade: manter rotinas estruturadas, avisar com antecedência sobre mudanças e disponibilizar “cantinhos” onde a criança possa se acalmar.
  • Apoiar a comunicação: falar de frente, utilizando gestos, expressões faciais, ou figuras como pistas visuais.
  • Apresentar estímulos de forma gradual: introduzir texturas, sabores ou sons passo a passo, variando, de preferência, um elemento de cada vez para facilitar a adaptação.
  • Ajustes pedagógicos: oferecer instruções curtas e claras, tempo extra para realizar atividades, dividir tarefas em etapas menores e reforçar aspectos como prosódia, ritmo e entonação da fala.

Referências Bibligráficas 

  • Glasser MF et al. Nature 2016 — Parcellation multimodal do córtex (HCP-MMP1.0).
  • Dionne-Dostie E et al. Brain Sciences 2015 — Integração multissensorial e neurodesenvolvimento.
  • Marco EJ et al. Pediatric Research 2011 — Revisão neurofisiológica do sensorial no TEA.
  • Balasco L et al. Front Psychiatry 2020 — Domínio tátil: do modelo genético à clínica.
  • Iidaka T et al. Front Psychiatry 2019 — Hiperconectividade tálamo-cortical no TEA.
  • Seif A et al. Front Integr Neurosci 2021 — Tronco encefálico e TEA (revisão sistemática).
  • Bloomer BF et al. J Psychiatr Brain Sci 2022 — Estrutura e função cerebelares no TEA.
  • Rolls ET et al. NeuroImage 2022 — Conectoma efetivo da linguagem.
  • Patil O, Kaple M. Cureus 2023 — Mecanismos e intervenções sensoriais no TEA.

Dra. Mônica Elisabeth Simons Guerra

CRM-SP 109056 | RQE 24850
Otorrinolaringologista e Foniatra

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A Dra. Mônica Elisabeth Simons Guerra atende na Clínica Pro ORL em parceria com a Clínica La Vie. Localizado entre as estações de metros Ana Rosa e Paraíso. No local tem estacionamento próprio. 

 

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